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quarta-feira, 27 maio 2015 18:30

Tirar a doença aterosclerótica do pódio da morbi-mortalidade nacional

Criada há 1991, a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose é hoje uma referência nas áreas da prevenção, formação e investigação. Um estatuto conquistado através do esforço continuado de convergência com a multiplicidade de actores que em diferentes frentes de intervenção contribuem para um melhor conhecimento da doença vascular aterosclerótica, primeira causa de morbi-mortalidade em Portugal e nos demais países ditos “desenvolvidos”. E também de informação da população sobre como prevenir a doença, envolvendo nesta tarefa entre outros, decisores políticos, jornalistas e as múltiplas organizações da sociedade civil.

Em entrevista ao Jornal Médico, Alberto Mello e Silva, presidente da instituição, fala do caminho já percorrido e dos muitos desafios que é ainda preciso enfrentar…

JORNAL MÉDICO | A menos de um ano de completar um quarto de século de existência… Que balanço faz do trabalho que a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose (SPA) tem realizado para concretizar os objectivos que levaram à sua criação?

Alberto Mello e Silva | A 13 de Março de 1991 foi criada a Associação “ Sociedade Portuguesa de Aterosclerose – SPA” que tem por objectivo, “promover o estudo, investigação, prevenção e tratamento da aterosclerose nos seus diferentes aspectos clínicos e manifestações clínicas, entendendo-se a aterosclerose como uma entidade nosológica polifactorial e multidisciplinar”.

Os seis outorgantes que compareceram no Cartório Notarial de Lisboa para a assinatura da escritura de criação da SPA, foram os professores doutores Polybio Serra e Silva, Martins Correia, Manuel Carrageta, Virgílio Durão, Pereira Miguel e Rocha Gonçalves.

Neste quase quarto de século, a SPA procurou conquistar um espaço próprio no panorama científico nacional, procurando pontos de convergência com as outras sociedades científicas, de forma a atingir o desiderato de retirar a doença aterosclerótica do primeiro lugar do pódio como principal causa de morbi-mortalidade nacional. Houve significativas melhorias nos indicadores nacionais fornecidos pela Direcção-Geral da Saúde e por organismos internacionais, mas ainda há muito “trabalho de casa” a fazer.

JM | Estimular o desenvolvimento de projectos sobre a doença vascular aterosclerótica. O que irá ser feito?

AMS | A SPA vai associar-se à Sociedade Europeia de Aterosclerose, para um registo nacional de doentes com hipercolesterolemia familiar, entidade subdiagnosticada e subtratada, não só em Portugal mas em todo o mundo. Para que este registo tenha sucesso e uma verdadeira expressão nacional, propomo-nos associar a outras sociedades científicas nacionais e de uma forma geral a todos os médicos que se interessem por essa temática.

JM | A abordagem da aterosclerose é pela sua natureza multidisciplinar: quem são os parceiros da SPA nesta abordagem?

AMS | À “natureza polifactorial e multidisciplinar” da doença aterosclerótica, a SPA estruturou-se com um “conceito integrador” e naturalmente a colaboração com outras associações e sociedades científicas nacionais que visem a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença vascular aterosclerótica foi-se estabelecendo, com especial relevo junto dos especialistas de Medicina Geral e Familiar.

Temos tido uma colaboração activa com as Sociedades de Hipertensão, Cardiologia, Medicina Interna, Neurologia, Diabetes e Medicina Geral e Familiar.

Internacionalmente a aproximação à Sociedade Europeia de Aterosclerose foi um corolário natural pela proximidade geográfica e integração europeia, à semelhança do que acontece com outras sociedades científicas nacionais. Há que salientar que anteriores Presidentes da SPA, o Prof. Dr. Manuel Carrageta e o Dr. Pedro Marques da Silva, desepenharam funções como Presidente e Vice-Presidente, respectivamente, da Sociedade Ibero-Latino-Americana de Aterosclerose. Por razões logísticas e dificuldades de apoio económico, actualmente somos apenas parceiros.

JM | Investigação: qual a estratégia da SPA nesta área?

AMS | A SPA pretende criar bolsas de estudo para investigadores e clínicos que desenvolvam projectos na área da aterosclerose. Mas lembro que vivemos num mundo em mudança e que por vezes é mais importante reflectirmos sobre o que já sabemos e como o vamos aplicar!

Pergunto que melhor projecto de investigação do que o de como melhorar a sensibilização da população portuguesa para uma observância de estilos de vida saudáveis entre os quais a evicção tabágica, a promoção da dieta mediterrânica, a moderação na ingestão de sal e de bebidas alcoólicas, o controlo do peso e a prática regular do exercíco físico?

JM | A aterosclerose será, porventura, uma das entidades nosológicas em cuja génese é possível encontrar maior número de factores comportamentais. Pode-se afirmar que é, na sua essência, uma doença de comportamento?

AMS | Não só mas também… A aterosclerose prematura, fruto do “estilo de vida” inapropriado, aliada ao envelhecimento populacional, fazem da aterosclerose um importante problema de saúde pública em Portugal. As doenças do aparelho circulatório cujas principais expressões clínicas são a doença vascular cerebral e a doença cardíaca isquémica, continuam a ser a principal causa de morbi-mortalidade não só nacional mas também das demais sociedades industrializadas. Por isso não é de admirar que o século XXI seja o palco de três grandes epidemias – a hipertensão arterial, a diabetes e a obesidade, frutos do “estilo de vida” das nossas sociedades de consumo e importantes factores de risco que contribuem para o estabelecimento e progressão da doença aterosclerótica. Mas há que reconhecer que a saúde ou a falta dela, também é o resultado de uma interacção complexa entre factores genéticos, ambientais e psico-sociais. Já são conhecidas algumas mutações genéticas “desfavoráveis” propiciadoras do desenvolvimento da aterosclerose, que associadas a factores comportamentais menos saudáveis, potenciam uma evolução para a doença aterosclerótica mais precoce e mais grave.

Há que privilegiar a educação, “the earlier the better”, começando pelos profissionais de saúde… Para se construírem os alicerces que permitam uma posterior divulgação e implementação na sociedade civil (educadores, escolas, empresas, entre outros).

JM | Sociedade civil… Destinatária das acções. De que forma pensa ser possível envolvê-la mais activamente na prevenção da aterosclerose?

AMS | A prevenção da doença aterosclerótica não pode ser tarefa apenas da responsabilidade dos decisores políticos e dos profissionais de saúde. Importa envolver e co-responsabilizar a comunidade civil.

Um bom exemplo desta “cumplicidade de responsabilidades” será a intervenção nas “modificações do estilo de vida”. Têm de ser desejadas pelos destinatários mas também têm de ser criadas condições para serem implementadas. A colaboração das autarquias (criação de espaços de lazer em aglomerados habitacionais, aumento do número de ciclovias), das associações cívicas (associações de pais que impeçam a venda de “fast food” nas escolas, construção de ginásios para a prática regular de educação física nas escolas), das sociedades científicas (Sociedade Portuguesa de Hipertensão e a aprovação de legislação que regulamenta o sal no pão), são alguns exemplos de actuação junto dos “media” e dos decisores políticos, para a obtenção dos desideratos propostos.

Será uma área em que nos propomos intervir. A Associação Portuguesa de Hipercolesterolemia Familiar participou com intervenções dos seus associados nas últimas edições dos nossos Congressos anuais.

JM | Comunicação social. A SPA em parceria a Associação Portuguesa de Hipercolesterolemia Familiar e com o apoio da Amgen Portugal instituiu um prémio que promove a literacia nesta área específica. Da população… E os jornalistas? Está nos vossos planos organizar acções de formação dirigidas a estes profissionais?

AMS | A resposta está no “site” da SPA que desafio a consultarem em www.spaterosclerose.org. Terão uma agradável surpresa!

JM | O Congresso anual tem sido um palco privilegiado para o cumprimento de muitos dos objectivos da SPA. A organização do próximo já está em marcha. Vamos ter novidades?

AMS | Este ano o XXIII Congresso Português de Aterosclerose tem como Presidente o Dr. Mário Lázaro, Director do Serviço de Medicina II do Centro Hospitalar do Algarve. Vai decorrer nos dias 7 e 8 de Novembro, no Hotel Miragem, em Cascais.

Em 2012 iniciámos um Curso Avançado de Lipidologia que tem como objectivo a criação de competências na área da Lipidologia para jovens especialistas e internos do internato de formação específica de diversas especialidades médicas (Medicina Interna, Cardiologia, Endocrinologia, Medicina Geral e Familiar). Pretende-se cumprir este objectivo através do programa científico com a duração total de 10 horas e a realização de uma avaliação da aquisição de conhecimentos. Completámos três edições com assinalável êxito no número de inscritos (50/curso) e no aproveitamento. Decorreram como curso pré-Congresso da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose. Faremos o 4º Curso Avançado de Lipidologia a 6 de Novembro, no Hotel Miragem em Cascais.

JM | Quais os principais desafios futuros da SPA?

AMS | Continuaremos a desenvolver uma acção concertada com médicos das diferentes especialidades na prevenção das doenças cardiovasculares, desde o controlo dos factores de risco à reabilitação, como a forma mais eficiente de promover a saúde dos portugueses.

Ter profissionais bem preparados, é contribuir com cuidados de saúde de melhor qualidade; para uma população mais saudável.

Prosseguiremos com o recrutamento de novos sócios e pretendemos envolver a colaboração de sociedades científicas das ciências básicas tão importantes no processo aterosclerótico num conceito abrangente de conhecimento translacional.

A divulgação da SPA e de conteúdos científicos através dos meios digitais no portal www.spaterosclerose.org está melhorada com um novo visual que convido a visitar. Não podemos limitar a divulgação da SPA ao nosso Congresso anual!

A terminar, quero citar Sir William Osler in Quotable Osler: “More commonly the arteriosclerosis results from the bad use of good vessels”.