Patrícia Afonso Mendes

Doença aterosclerótica e fígado – uma conexão intrincada


publicado em Notícias

15/01/2025


Hoje falamos de aterosclerose e doença hepática. Poderíamos pensar que se tratam de duas condições sem ligação uma à outra, mas cada vez mais se percebe que as duas podem estar associadas, particularmente a esteatose hepática associada à disfunção metabólica (MASLD), por meio de uma série de mecanismos moleculares, celulares e metabólicos.

Aterosclerose é uma sistémica, caracterizada por acumulação progressiva de colesterol em placas nas paredes das artérias. Este processo pode resultar em eventos cardiovasculares graves, os mais conhecidos o enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), mas qualquer artéria do corpo pode ser atingida. Por outro lado, a MASLD, anteriormente conhecida como fígado gordo não alcoólico (NAFLD), é uma doença hepática crónica complexa, mas que simplificando, se caracteriza pela acumulação de gordura no fígado, frequentemente associada à obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemia. Em última análise, e com a progressão da doença, a MASLD pode culminar em cirrose com todas as consequências que daí advêm.

Estudos recentes sugerem que a MASLD não é apenas um indicador de risco, mas também um fator de risco independente para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, incluindo a aterosclerose. Os mecanismos que ligam a MASLD à aterosclerose incluem a dislipidemia aterogénica, inflamação vascular de baixo grau, disfunção endotelial, formação de células espumosas e resistência à insulina.

E porque é que estas doenças começam cada vez mais a ser faladas em conjunto e necessitam de uma abordagem holística, tal como é habitual no trabalho diário de um internista? Primeiro porque os doentes com MASLD frequentemente exibem dislipidemia aterogénica, tal como os doentes com diabetes ou doença renal crónica. Este tipo de dislipidemia é caracterizado por níveis elevados de triglicerídeos, mas também de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) pequenas e densas, que mais facilmente geram a formação de placas ateroscleróticas.

Para além disso, os doentes com MASLD, têm ainda uma amplificação da inflamação sistémica, como por exemplo um aumento na expressão de moléculas de adesão como ICAM-1 e VCAM-1, que facilitam a adesão de monócitos à parede endotelial e sua subsequente migração para o espaço subendotelial. Este processo é essencial para o desenvolvimento das lesões ateroscleróticas iniciais.

Outros mecanismos comuns às duas patologias são ainda a disfunção endotelial, a formação de células espumosas e a resistência à insulina.

A identificação de MASLD como um fator de risco independente para aterosclerose sublinha então a necessidade de estratégias diagnósticas e terapêuticas mais integradas que abordem tanto a doença hepática como a cardiovascular. É ainda uma área em constante evolução, especialmente nos últimos anos.

Patrícia Afonso Mendes
Especialista em Medicina Interna