Colchicine in Acute Myocardial Infarction
publicado em Notícias
23/01/2025
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morbi- mortalidade em numerosas áreas geográficas do mundo. Embora o tratamento dos principais fatores de risco reduza significativamente o risco cardiovascular, o risco residual continua por tratar. Pensa-se que a inflamação é um mecanismo importante para a aterosclerose, tanto na fase aguda como na fase crónica. Níveis aumentados de marcadores inflamatórios circulantes estão também associados a um pior prognóstico em doentes com síndromes coronárias agudas. A colchicina inibe as ações dos neutrófilos e a libertação de quimiocinas inflamatórias, incluindo interleucina-1 e interleucina-6 (IL-6 é reconhecida como um fator essencial na aterotrombose) . Será que a colchicina reduz os eventos cardíacos após o enfarte do miocárdio? Os resultados dos estudos com colchicina têm sido mistos. Alguns estudos recentes (COLCOT, LoDoCo2) sugerem que a colchicina pode reduzir os eventos cardíacos, presumivelmente através das suas propriedades anti-inflamatórias.
Um novo grande estudo – “Colchicine in Acute Myocardial Infarction – CLEAR SYNERGY (OASIS 9) Colchicine”, publicado a 17 de novembro no NEJM teve como objetivo determinar os efeitos cardiovasculares (CV) a longo prazo da colchicina após intervenção coronária percutânea (ICP) para enfarte do miocárdio com elevação do segmento ST ou enfarte do miocárdio sem elevação do segmento ST (STEMI ou NSTEMI, respetivamente).
Num ensaio multicêntrico com um desenho fatorial 2 por 2, um total de 7062 doentes com uma idade média 61 anos, 20 % do sexo feminino, recrutados em 104 centros de 14 países que tiveram enfarte do miocárdio, foram submetidos a aleatorização para receber colchicina ou placebo e espironolactona ou placebo. Os resultados do ensaio com colchicina são aqui relatados. O resultado primário de eficácia foi um composto de morte por causas CV, enfarte do miocárdio (EM) recorrente, acidente vascular cerebral (AVC) ou revascularização coronária não planeada, avaliada numa análise do tempo até ao evento. A proteína C reactiva (PCR) foi medida aos 3 meses num subgrupo de pacientes, e a segurança também foi avaliada.
Um evento de resultado primário ocorreu em 322 de 3528 doentes (9,1 %) no grupo da colchicina e em 327 de 3534 doentes (9,3 %) no grupo do placebo durante um período de seguimento médio de 3 anos (taxa de risco [HR], 0,99; intervalo de confiança de 95% [IC], 0,85 a 1,16; P = 0,93).
A incidência de componentes individuais do resultado primário pareceu ser semelhante nos dois grupos. Além disso, o nível da (PCR), uma medida da inflamação, foi mais baixo no grupo da colchicina aos três meses (2,98 mg/L vs. 4,27 mg/L), e a colchicina aumentou significativamente a diarreia (10,2% vs. 6,6%; p<0,01), mas a incidência de infecções graves não diferiu entre os grupos.
Vários ensaios aleatórios, incluindo o ensaio COLCOT com 4.745 doentes 30 dias após o EAM, demonstraram reduções no MACE, uma redução relativa de 23 % na morte por causas CV, EM recorrente, reanimação após paragem cardíaca, AVC ou hospitalização urgente por angina que levou a revascularização), com a colchicina na dose de 0,5 mg por dia no tratamento da doença coronária. O estudo Low Dose Colchicine 2 (LODOCO 2,) envolveu doentes com doença coronária estável aos quais foi administrada uma dose diária de 0,5 mg de colchicina, foi associada a uma redução relativa de 31 % no resultado primário composto (morte por causas CV, EM, AVC isquémico ou revascularização coronária isquémica)
Os dados do estudo actual, representam a maior avaliação aleatória da colchicina no EAM e não conseguiram demonstrar uma redução do MACE ou dos seus endpoints componentes com um seguimento alargado a cinco anos. Os efeitos relatados da colchicina nestes endpoints, incluindo recorrência de enfarte, revascularização urgente e AVC, variaram entre os estudos, mas foram idênticos ao placebo no CLEAR SYNERGY (OASIS 9). Embora sejam possíveis diferenças populacionais entre o estudo COLCOT, que foi realizado no Quebec/Canadá, e este estudo internacional, não foram observadas interações de tratamento por região. Um sinal de aumento de morte não CV numa meta-análise anterior de ensaios com colchicina não foi observado neste estudo. Globalmente, estes resultados sugerem que o uso de rotina da colchicina após ICP por EAM não é benéfico.
As razões para a divergência entre os resultados deste estudo e os de ensaios anteriores de colchicina em doentes com doenças CV não são imediatamente evidentes. Contudo dois estudos mais recentes – CHANCE (Colchicine in High-Risk Patients with Acute Minor to-Moderate Ischemic Stroke or Transient Ischemic Attack), envolvendo 8345 doentes aleatorizados para receber colchicina numa dose de 0,5 mg duas vezes por dia nos dias 1 a 3 e 0,5 mg uma vez por dia nos dias 4 a 90 ou para receber placebo, não teve qualquer efeito na incidência de AVC (HR, 0,98; IC 95 %, 0,83 a 1,16) ou no resultado secundário, um composto de morte por causas CV, EM, ataque isquémico transitório ou AVC. No entanto, o estudo CHANCE-3 foi um ensaio de tratamento a curto prazo (90 dias) e a duração do tratamento pode não ter sido suficientemente longa para mostrar um efeito de tratamento; o estudo CONVINCE (Colchicine for Prevention of Vascular Inflammation in Noncardioembolic Stroke), em 3154 doentes com AVC isquémico, aleatorizados para colchicina numa dose de 0,5 mg por dia ou cuidados habituais durante uma mediana de 34 meses, não foi encontrado qualquer efeito da colchicina no resultado primário – um composto de AVC isquémico, EM, paragem cardíaca, hospitalização por angina instável ou morte por causas vasculares – (HR, 0,84; 95 % CI, 0,68 a 1,05) – fornecem o que é provavelmente a evidência mais recente dos efeitos da colchicina em doentes com doença vascular – um excesso nominal de morte por causas não cardiovasculares com a colchicina, pese embora tal não tenha sido registado neste estudo -CLEAR SYNERGY (OASIS 9).
Também os resultados divergentes dos ensaios com canakinumab, metotrexato e colchicina realçam a necessidade de grandes ensaios que visem diferentes partes das vias inflamatórias.
Na era da medicina de precisão, as abordagens modernas podem explorar novos alvos farmacológicos, identificar novos marcadores de inflamação vascular e avaliar as respostas terapêuticas.
CONCLUSÕES
Em doentes que tiveram EAM, o tratamento com colchicina, iniciado logo após o EAM e continuado por uma mediana de três anos, não reduziu a incidência do resultado primário (composto de morte por causas CV, EM recorrente, AVC ou revascularização não planeada causada por isquemia), mas foi associado a um aumento na incidência de diarreia.
Alberto Mello e Silva
Especialista em Cardiologia e Medicina Interna
N Engl J Med 2024 Nov 17
DOI:10.1056/NEJMoa2405922