Breves considerações sobre hipercolesterolemia familiar
publicado em Notícias
29/05/2025
A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma das doenças genéticas hereditárias mais comuns, caracterizada por níveis elevados de colesterol LDL desde a infância, frequentemente presentes em vários membros da mesma família. A HF segue um padrão de transmissão autossómica dominante, o que significa que cada indivíduo afetado tem uma probabilidade de 50% de transmitir a mutação aos seus descendentes.
Existem duas formas clínicas principais:
- A HF heterozigótica, que ocorre quando apenas um dos progenitores transmite o gene mutado, é a forma mais frequente e tem uma prevalência estimada entre um em 250 e um em 500 pessoas.
- A HF homozigótica, muito mais rara (cerca de um em 300.000 a um em 1.000.000), resulta da herança da mutação por parte de ambos os progenitores.
Ambas as formas estão associadas a um risco significativamente aumentado de doença cardiovascular aterosclerótica precoce, sendo o rastreio familiar e o tratamento atempado fundamentais para prevenir eventos cardiovasculares graves.
Em Portugal, estima-se que existam entre 20.000 a 33.000 pessoas com HF heterozigótica, e entre 28 a 41 pessoas com HF homozigótica. No entanto, até 2022, apenas 1.037 casos foram confirmados geneticamente, representando uma fração mínima da população afetada, refletindo uma subidentificação significativa. Esta realidade reforça a importância do rastreio familiar e da identificação precoce para prevenção de eventos vasculares.
Esta condição está subdiagnosticada por vários motivos: a ausência de sintomas evidentes, o desconhecimento da doença por parte da população e até de profissionais de saúde, a variabilidade na apresentação clínica, e o acesso limitado a testes genéticos em muitos contextos.
O diagnóstico pode ser feito por critérios clínicos, bioquímicos e genéticos. As pontuações como os critérios de Dutch Lipid Clinic Network (DLCN) são úteis quando não existe acesso a testes genéticos. No entanto, sempre que possível, o diagnóstico genético deve ser realizado, pois permite confirmar o diagnóstico, estratificar o risco cardiovascular e iniciar o rastreio em cascata — uma das estratégias mais eficazes para detetar casos adicionais dentro da mesma família.
Para melhorar a taxa de diagnóstico, é essencial investir em três áreas-chave:
1. Formação contínua dos profissionais de saúde, para que reconheçam sinais clínicos e identifiquem doentes de risco;
2. Criação de programas nacionais de rastreio sistemático, que permitam detetar casos precocemente;
3. Reforço da literacia em saúde na população, especialmente em temas relacionados com colesterol e risco cardiovascular.
Nos últimos anos, têm sido feitos progressos importantes em Portugal. O projeto PerMed FH, coordenado pela Prof.ª Doutora Mafalda Bourbon no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), pretende caracterizar geneticamente variantes associadas à HF, melhorar o diagnóstico e desenvolver terapêuticas personalizadas. Das cerca de 6000 variantes identificadas nos genes responsáveis pela doença (LDLR, APOB e PCSK9), metade têm significado incerto. O projeto pretende classificar até 70% destas variantes a nível mundial, incluindo todas as variantes portuguesas conhecidas.
A HF é uma condição silenciosa, mas tratável. Melhorar a sua deteção precoce, através de estratégias de Saúde Pública, rastreio familiar e investigação nacional, é crucial para reduzir o impacto da doença cardiovascular em Portugal.
Dr. Tiago Pack
Especialista em Medicina Interna