Comentário ao artigo por Dr.ª Patrícia Vasconcelos


publicado em Notícias

06/06/2022


“Cholesteryl ester transfer protein (CETP) as a drug target for cardiovascular disease”

A proteína de transferência de éster de colesterol (CETP) é uma glicoproteína plasmática produzida maioritariamente pelo fígado e que se liga preferencialmente às lipoproteínas de alta densidade (HDL) facilitando a troca de triglicéridos e esteres de colesterol entre HDL e lipoproteínas contendo apolipoproteína B100.

A inibição de CETP atrasa o catabolismo das HDL. Este facto e as evidências de estudos genéticos de que variantes no gene CETP foram associadas a níveis mais elevados de colesterol HDL, níveis diminuídos de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e menor risco de doença cardíaca coronária sugeriram que a inibição farmacológica da CETP poderia ser benéfica. Assim, o desenvolvimento de inibidores da CETP, como um potencial tratamento de doenças cardiovasculares, tem despertado grande interesse.

Até 2021, dos quatro inibidores de CETP que progrediram para os ensaios clínicos de fase 3, nenhum recebeu autorização de comercialização. Os três primeiros foram abandonados devido ao aumento de eventos cardiovasculares e mortes (torcetrapib) ou à falta de eficácia na redução de eventos cardiovasculares (dalcetrapib e evacetrapib). O anaceptrapib, no estudo REVEAL, aumentou o colesterol HDL, reduziu o colesterol não HDL e proporcionou uma redução significativa, embora limitada, de -9% nos eventos cardiovasculares (CV) em prevenção secundária após um acompanhamento médio de 4,1 anos. No entanto, como se acumula no tecido adiposo a aprovação regulatória não foi solicitada. Portanto, apesar da promessa inicial considerável, a inibição da CETP forneceu benefício CV insuficiente para uso clínico. Estas falhas conduziram a incertezas sobre validade da CEPT como alvo terapêutico.

No estudo supracitado, foi esta a questão a que os autores procuraram responder.

Neste estudo comparativo de randomização mendeliana, que avaliou em paralelo as concentrações de proteína CETP com as da pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9), verificou-se heterogeneidade significativa entre os compostos/fármacos nos efeitos sobre os lipidos, a pressão arterial e os resultados clínicos. Assim se demonstrou que as falhas anteriores dos inibidores da CETP estão, provavelmente, relacionadas com os compostos desenvolvidos, e não com o próprio alvo do fármaco, seja por inibição do alvo abaixo do ideal (dalcetrapib), efeitos fora do alvo (torcetrapib) ou seguimento insuficientemente prolongado (evacetrapib). A referida análise, consistente com os achados dos estudos com anacetrapib, mostrou que a inibição da CETP no alvo reduz o risco de vários desfechos CV e diabetes, mas potencialmente aumenta o risco de doença macular relacionada à idade (DMRI). A comparação com os efeitos da inibição de PCSK9 sugere que a inibição de ambos os alvos pode fornecer benefícios adicionais.

Os autores concluíram, então, que, apesar do potencial efeito adverso na DMRI, a CETP é um alvo eficaz para a prevenção de DCV. As falhas encontradas relacionadas com o fármaco podem eventualmente ser ultrapassadas desenvolvendo inibidores de CETP mais aprimorados.

O mais recente inibidor da CETP, obicetrapib, encontra-se em estudo de fase 3 para avaliar a eficácia, segurança e tolerabilidade como adjuvante à dieta e à terapia hipolipemiante máxima tolerada por 365 dias em doentes com Hipercolesterolémia Familiar Heterozigótica e/ou doença CV aterosclerótica estabelecida. Se for bem-sucedido (conclusão prevista para 2024), o obicetrapib poder-se-á tornar num novo tratamento anti-dislipidémico independente dos receptores de LDL para doentes intolerantes às estatinas.

Schmidt, Amand F., et al.
Nature communications 12.1 (2021): 1-10.