Estratificação do risco cardiovascular na prática clínica – o papel dos modificadores de risco

Estratificação do risco cardiovascular na prática clínica – o papel dos modificadores de risco


publicado em Notícias

12/12/2024


A avaliação do risco cardiovascular (CV) deve ser efetuada em todos os indivíduos saudáveis com mais de 40 anos. O risco CV define-se pela probabilidade de desenvolver um evento CV major nos 10 anos seguintes. Enquanto alguns grupos de doentes como os doentes com diabetes, doença renal crónica ou evento cardiovascular prévio são estratificados de acordo estas co-morbilidades, os doentes aparentemente saudáveis devem ser avaliados de acordo com ferramentas como o SCORE2 ou o SCORE2-OP. Estas ferramentas avaliam 5 variáveis: o sexo, a idade, o tabagismo, a pressão arterial e o valor de colesterol não-HDL, obtendo-se a probabilidade de um determinado indivíduo desenvolver um evento cardiovascular a 10 anos. Os doentes são estratificados em risco baixo, moderado, alto ou muito alto. Enquanto os grupos dos extremos (baixo e muito alto) são relativamente simples de orientar o problema está naquela área cinzenta entre o risco moderado e o alto. Diferentes sociedades científicas apresentam consensos relativamente à utilização de outras variáveis para definir ou re-estratificar estes doentes. Quando falamos de biomarcadores, um consenso publicado recentemente no Journal of Clinical Lipidology fala-nos da utilização da lipoproteína (a) na estratificação de risco. Atualmente sabemos que a concentração de Lp(a) é um fator de risco independente para o desenvolvimento de doença aterosclerótica e estenose aórtica. As recomendações são para dosear a Lp(a) pelo menos uma vez na vida. A concentração de Lp(a) apresenta uma relação linear com o aumento do risco CV. Consideram-se de baixo risco os doentes com Lp(a) < 75 nmol/L e de alto risco valores acima dos 125 nmol/L. Os doentes com valores entre os 75 nmol/L e 125 nmol/L são considerados de risco intermédio. Nestes doentes poderá ser considerada a repetição da análise, no entanto, os valores de Lp(a) são tendencialmente estáveis ao longo da vida.

Qual é, então, o interesse em medir a Lp(a) atualmente? Apesar de não existirem ainda terapêuticas dirigidas à Lp(a), nos doentes que se encontram nas categorias de risco intermédias, calculadas pelo SCORE2, a presença de uma Lp(a) > 125 nmol/L deve ser motivar a intensificação do controlo dos fatores de risco como o Colesterol LDL, Hipertensão arterial, a Diabetes ou a Obesidade. A única terapêutica aprovada pela FDA para os doentes com Lp(a) elevada é a aférese de lipoproteínas. No entanto, esta terapêutica só está indicada em doentes em prevenção secundária com valores de Lp(a) > 60 nmol/l e valores de Colesterol LDL > 100 mg/dL sob terapêutica hipolipemiante otimizada. Estão ainda a decorrer os ensaios para duas novas terapêuticas (Olpasiran e Pelacarsen) que já demonstraram reduções de Lp(a) na ordem dos 80%, sendo necessário demonstrar que estas reduções se refletem em redução de eventos CV major.

A segunda questão relativamente aos modificadores de risco é a investigação de aterosclerose subclínica: em que doentes e de que forma? A avaliação de doença coronária subclínica através do uso do Score de Cálcio Coronário (ScCa Coronário) tem sido cada vez mais difundida na prática clínica. Um artigo de consenso da Revista Portuguesa de Cardiologia recomenda que os doentes que se encontram, de acordo com o SCORE, no grupo de baixo risco mas que tenham mais do que um fator de risco CV ou os doentes do grupo de risco moderado devem ter uma avaliação do ScCa Coronário. São considerados doentes de alto risco aqueles com valores > 100 ou com percentil acima de 75 e doentes de risco moderado aqueles com valores entre 1 e 100. Em doentes com ScCa > 400 deve ser avaliada a presença de sintomas de doença coronária e deve ser considerada a realização de avaliação coronária não invasiva.

Outra avaliação que pode ser útil na estratificação de risco vascular nos doentes em grupos de risco intermédios é o doppler das artérias carótidas. Apesar de já não estar recomendada a utilização da espessura da íntima média como marcador de risco, a avaliação da presença de placas de ateroma pode ser útil na estratificação de risco, apesar de ter uma robustez de evidência inferior à do score de Cálcio.

A avaliação do risco deve ser ajustada a cada doente, sendo o SCORE2 a ferramenta inicial que poderá motivar posteriormente uma avaliação mais alargada, utilizando modificadores de risco. A avaliação do risco vascular nos doentes assintomáticos ou aparentemente saudáveis pode ser enganadora e a sua correta estratificação pode ter um impacto significativo no prognóstico a longo prazo pela prevenção de eventos cardiovasculares.

Dr. Rui Osório Valente
Especialista em Medicina Interna