Lipoproteina(a): o que sabemos

Lipoproteina(a): o que sabemos


publicado em Notícias

05/09/2024


A primeira descrição da Lipoproteína (a) (Lp(a)) foi publicada na Acta Pathologica Microbiologica Scandinavica em novembro de 193 por Kare Berg num artigo intitulado “A New Serum Type System in Man – The LP System”.1Desde então, tivemos avanços substanciais na compreensão da sua biologia e fisiopatologia.

De facto, desde a sua descoberta, várias investigações fizeram emergir a Lp(a) como potencial fator de risco cardiovascular. Dez anos após o trabalho de Kare Berg surgiram artigos de investigadores escandinavos que associavam a presença de Lp(a) a Hipercolesterolemia Familiar e/ou doença coronária e esta associação viria a ser mensurada definindo-se os valores de concentração de Lp(a) de 30mg/dL e 50mg/dL como aqueles a partir dos quais os doentes tinham maior probabilidade de desenvolver enfarte agudo do miocárdio.2-4 O valor de 50mg/dL viria mesmo a ser adotado pela Sociedade Europeia de Aterosclerose em 2010. No entanto, hoje sabemos que não existe propriamente um limite, mas antes um continuum na relação entre a concentração de Lp(a) e risco cardiovascular e esta recomendação foi atualizada em 2022 definindo-se as concentrações entre 30 e 50mg/dL como uma “zona cinzenta” e acima de 50mg/dL associadas a aumento clinicamente significativo do risco cardiovascular.5

Devido a esta associação da Lp(a) e doença cardiovascular, no início dos anos 90 começou a discutir-se se a Lp(a) era um fator de risco ou, apenas, um marcador de risco cardiovascular. Esta dúvida começou a dissipar-se com a sua caracterização estrutural, pois trata-se de uma β-lipoproteína única contendo a porção patognomónica apo(a) ligada covalentemente à apoB-100, e com a evidência de que contém conteúdo aumentado de fosfolípidos oxidados pró-aterogénicos e pró-inflamatórios (com potencial aterotrombótico, portanto).6,7 Mais recentemente, estudos de associação genética e randomização mendeliana demonstraram a potencial causalidade da Lp(a) elevada com aumento de risco cardiovascular.8-11

Fruto desta crescente evidência, várias estratégias farmacológicas têm sido estudadas para redução da Lp(a). As mais específicas atuam reduzindo a produção hepática de apo(a) utilizando oligonucleótidos antisense de cadeia simples (ASO) ou RNA interferência curto (siRNA) e estão em curso vários ensaios que têm demonstrado elevada eficácia apenas com pequenos efeitos secundários reportados. Aguarda-se que os ensaios demonstrem se esta redução de Lp(a) se traduz em redução de eventos cardiovasculares. (Tabela 1 apresenta os fármacos que se encontram em estudo). Das armas terapêuticas que temos presentemente à nossa disposição, os inibidores da PCSK9 demonstraram uma redução ligeira, mas significativa, da Lp(a) (o alirocumab, o evolucumab e o inclisiran reduzem a Lp(a) na ordem dos 20 a 25 %) e as estatinas, que são a base da terapêutica dos nossos doentes, pelo contrário, podem provocar um aumento da Lp(a).12-14 

Apesar de ainda não existir uma terapêutica dirigida eficaz, baseado no último consenso da Sociedade Europeia de Aterosclerose, podemos concluir que, no caso de doentes com Lp(a) elevada e com fatores de risco ‘tradicionais’, o risco cardiovascular pode encontrar-se subestimado e, portanto, devemos abordar estes fatores de risco mais precocemente e o melhor possível, de forma a reduzir o risco cardiovascular global ao máximo.15

Tabela 1. Fármacos em estudo para redução da Lp(a)

Fármaco% de redução Lp(a)Ensaio em Curso
Pelacarsen (ASO)± 80%Horizon, NCT04023552 Fase 3
Olpasiran (siRNA)± 95%Ocean(a) NCT05581303 Fase 3
Zerlasiran (siRNA)± 98%NCT05537571 Fase 2
Lepodisiran (siRNA)± 94%ACCLAIM-Lp(a) NCT06292013 Fase 3

Apesar de a Lp(a) já ter seis décadas de história, muitas questões continuam por responder e por perceber. Os ensaios randomizados em curso vão elucidar-nos quanto à eficácia da redução de eventos cardiovasculares com a terapêutica dirigida, mas o seguimento destes doentes será necessário para perceber a segurança de valores reduzidos de Lp(a) a longo prazo. Outra questão importante por resolver é a da medição da Lp(a). Atualmente existe consenso científico de que a sua avaliação deverá ser realizada em nanomoles por litro, pois os ensaios de massa avaliam múltiplos componentes da Lp(a) variáveis entre doentes. Desta forma, torna-se necessário desenvolver uma medição padronizada e global, de forma a conseguir avaliar a Lp(a) eficazmente e conseguir generalizar os resultados de ensaios clínicos e estudos de prevalência.

A Lp(a) é “só” mais um marcador de risco cardiovascular entre vários, mas, sem dúvida, que o futuro é promissor e aguardamos novidades a curto prazo.  

Referências:

  1. Berg K. A New Serum Type System in Man – The LP System. Acta Pathol Microbiol Scand. 1963;59:369-82. doi: 10.1111/j.1699-0463.1963.tb01808.x. PMID: 14064818.
  2. Dahlen G. The pre-beta1 lipoprotein phenomenon in relation to serum cholesterol and triglyceride levels, the Lp(a) lipoprotein and coronary heart disease. Acta Med Scand. 1974;Suppl. 570:1–45.
  3. Frick MH, Dahlén G, Furbery C, Ericson C, Wiljasalo M. Serum pre-beta-1 lipoprotein fraction in coronary atherosclerosis. Acta Med Scand. 1974;195(5):337–40.
  4. Kostner GM, Avogaro P, Cazzolato G, Marth E, Bittolo-Bon G, Qunici GB. Lipoprotein Lp(a) and the risk for myocardial infarction. Atherosclerosis. 1981;38:51–61.
  5. Kronenberg F, Mora S, Stroes ESG, Ference BA, Arsenault BJ, Berglund L, et al. Lipoprotein(a) in atherosclerotic cardiovascular disease and aortic stenosis: a European Atherosclerosis Society consensus statement. Eur Heart J. 2022;43:3925–46
  6. Utermann G, Duba C, Menzel HJ. Genetics of the quantitative Lp(a) lipoprotein trait. II. Inheritance of Lp(a) glycoprotein phenotypes. Hum Genet. 1988;78:47–50. doi: 10.1007/BF00291233
  7. Tsimikas S, Bergmark C, Beyer RW, Patel R, Pattison J, Miller E, Juliano J, Witztum JL. Temporal increases in plasma markers of oxidized low-density lipoprotein strongly reflect the presence of acute coronary syndromes. J Am Coll Cardiol. 2003;41:360–370. 
  8. Kamstrup PR, Benn M, Tybjaerg-Hansen A, Nordestgaard BG. Extreme lipoprotein(a) levels and risk of myocardial infarction in the general population: the Copenhagen City Heart Study. Circulation. 2008;117:176–184.
  9. Clarke R, Peden JF, Hopewell JC, Kyriakou T, Goel A, Heath SC, Parish S, Barlera S, Franzosi MG, Rust S, et al; PROCARDIS Consortium. Genetic variants associated with Lp(a) lipoprotein level and coronary disease. N Engl J Med. 2009;361:2518–2528.
  10. Erqou S, Thompson A, Di AE, Saleheen D, Kaptoge S, Marcovina S, et al. Apolipoprotein(a) isoforms and the risk of vascular disease: systematic review of 40 studies involving 58,000 participants. J Am Coll Cardiol. 2010;55:2160–7.
  11. Kronenberg F, Mora S, Stroes ESG. Consensus and guidelines on lipoprotein(a) – seeing the forest through the trees. Curr Opin Lipidol. 2022;33:342–53.
  12. Szarek M, Bittner VA, Aylward P, Baccara-Dinet M, Bhatt DL, Diaz R, Fras Z, Goodman SG, Halvorsen S, Harrington RA, et al; ODYSSEY OUTCOMES Investigators. Lipoprotein(a) lowering by alirocumab reduces the total burden of cardiovascular events independent of low-density lipoprotein cholesterol lowering: ODYSSEY OUTCOMES trial. Eur Heart J. 2020;41:4245–4255.
  13. Wilkinson MJ, Bajaj A, Brousseau ME, Taub PR. Harnessing RNA Interference for Cholesterol Lowering: The Bench-to-Bedside Story of Inclisiran. J Am Heart Assoc. 2024 Mar 19;13(6):e032031. doi: 10.1161/JAHA.123.032031.
  14. Tsimikas S, Gordts P, Nora C, Yeang C, Witztum JL. Statin therapy increases lipoprotein(a) levels. Eur Heart J. 2020;41:2275–2284.
  15. Kronenberg F, Mora S, Stroes ESG, Ference BA, Arsenault BJ, Berglund L, et al. Frequent questions and responses on the 2022 lipoprotein(a) consensus statement of the European Atherosclerosis Society. Atherosclerosis. 2023;374:107–20.

Dr. Rodrigo Leão

Especialista de Medicina Interna